OS LUSÍADAS: LUIS VAZ DE CAMÕES
"Por mares nunca dantes navegados"
Poesia épica (ou epopeia): trata-se
de uma narrativa escrita em verso, na qual se narram as proezas de
grandes herois. As principais condições para o surgimento de uma epopéia
são: haver um assunto grandioso, um heroi grandioso e um poeta
grandioso. As duas mais antigas obras de literatura grega que chegaram
até nós são as epopéias Ilíada e Odisséia.
“Os Lusíadas”: publicado
em 1572, sob a proteção de D. Sebastião, é considerado o maior poema
épico português e renascentista. Composto por 10 cantos (o que chamamos
de capítulo no romance), 1102 estrofes e 8816 versos, sendo estes
dispostos, com relação à rima, em decassílabos heroicos.
O
núcleo narrativo do poema é a viagem de Vasco da Gama às Índias. Porém,
diferentemente das epopeias clássicas, o heroi não é Vasco da Gama, mas
sim todo o povo português, a Nação portuguesa como “escolhida” para a
valente empreitada de explorar os “mares nunca dantes navegados”. Sendo
assim, podemos dizer que o heroi deixa de ser individual, como nas
fontes herdadas dos clássicos, para ser coletivo, sendo Vasco da Gama
apenas representante dessa coletividade. Essa característica já é
anunciada logo no título: Os Lusíadas, ou seja, os lusitanos, os
lusos portugueses. Dessa forma, a epopeia de Camões promove a exaltação
do povo português, da história de Portugal, de seu império e, por fim,
da língua portuguesa, que é enriquecida pelo autor.
Paralelamente
à ação histórica do poema, há uma ação mitológica: a luta que travam os
deuses do Olimpo em favor (Vênus e Marte) ou contra (Baco e Netuno) os
portugueses.
Produto do Renascimento, Os Lusíadas
incorporam o espírito antropocêntrico da época, oportuno ao sentimento
heroico e conquistador. O típico bifrontismo do Renascimento português
está presente na fusão dos ideais imperialistas e nacionalistas
renascentistas com a ideologia medieval, presente na fala conservadora
do Velho do Restelo, que dá voz a um espírito crítico em meio a tanto
ufanismo e orgulho nacionalista, espírito este que se estende ao
epílogo, que fecha o poema dizendo que o poeta fala a gente “surda e
endurecida” e a uma pátria “metida no gosto da cobiça”.
O
ideal cristão também se faz presente na medida em que os descobrimentos
são vistos como expansão do mundo cristão, uma contraposição com a
inspiração na mitologia pagã também presente no poema.
Na
linguagem, o poeta funde a eloquência do tom épico diante dos grandes
feitos e descobrimentos com um tom lírico, presente, entre outros, no
canto dedicado à história de Inês de Castro. Nota-se também uma sintaxe
complexa, cheia de inversões, uma característica típica do maneirismo,
estilo precursor da estética barroca.
Estrutura do poema: assim
como determina a tradição clássica, a epopeia de Camões é dividida em
cinco partes: proposição, invocação, dedicatória, narração e epílogo.
- Proposição (canto I, estrofes 1 a 3): É
a exposição do assunto do poema, ou seja, do que o poema falará. Nela o
poeta se propõe a cantar os feitos heroicos dos soldados e navegadores
portugueses, bem como a memória dos reis portugueses que expandiram as
fronteiras lusas e a fé cristã.
I
As armas e os barões assinalados
Que, da ocidental praia lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo reino, que tanto sublimaram.
Que, da ocidental praia lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo reino, que tanto sublimaram.
II
E também as memórias gloriosas
Daqueles reis que foram dilatando
A Fé, o Império e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valorosas
Se vão da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.
- Invocação (canto I, estrofes 4 e 5):
Nesse momento o poeta pede inspiração às musas. No caso da epopeia de
Camões, as musas não serão nenhuma representante da tradição clássica. O
poeta escolhe como fonte de inspiração as ninfas do rio Tejo (rio português), chamadas por ele de Tágides. Nesse sentido, podemos dizer que Camões nacionaliza suas musas.
IV
E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mim um novo engenho ardente
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mim vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto, e sublimado,
Um estilo grandíloquo e corrente,
Por que de vossas águas Febo ordene,
Que não tenham inveja às de Hipocrene.
- Dedicatória (canto I, estrofes 6 a 18):
Camões dedicou seu poema ao rei D. Sebastião, seu protetor e a quem se
deve a publicação do livro. Nas estrofes dedicadas ao rei, o poeta faz
menção à juventude de D. Sebastião, que, por não haver outro herdeiro
legítimo do trono, assumiu o império com apenas quatorze anos. O poeta
também se refere à extensão alcançada pelo Império português.
VII
Vós, tenro e novo ramo florescente
De uma árvore, de Cristo mais amada
Que nenhuma nascida no Ocidente,
Cesárea ou Cristianíssima chamada,
Vede-o no vosso escudo, que presente
Vos mostra a vitória já passada,
Na qual vos deu por armas e deixou
As que Ele para si na Cruz tomou;
VIII
Vós, poderoso rei, cujo alto império
O Sol, logo em nascendo, vê primeiro;
Vê-o também no meio do Hemisfério,
E quando desce, o deixa derradeiro;
Vós, que esperamos jugo e vitupério
Do torpe Ismaelita cavaleiro,
Do Turco Oriental e do Gêntio
Que ainda bebe o licor do santo Rio.
(...)
X
(...)
Ouvi: vereis o nome engrandecido
Daqueles de quem sois senhor supremo,
E julgareis qual é mais excelente,
Se ser do mundo Rei, se de tal gente.
- Narração:
A
ação do poema começa quando os navegantes já estão no meio do Oceano
Índico. Paralelamente, os deuses reúnem-se no Olimpo para decidirem o
futuro dos ousados portugueses. A história se desenvolve então em dois
eixos: o mitológico, marcado pela intervenção dos deuses, e o histórico,
este subdividido em duas ações: a viagem de Vasco da Gama às Índias,
que liga todas as outras ações, e a narrativa da história de Portugal,
narrada por meio do discurso de Vasco da Gama, quando este a conta ao
rei de Melinde, e por seu irmão, Paulo da Gama, quando explica a uma
autoridade oriental o significado das figuras desenhadas nas bandeiras
das naus.
Entre
os deuses, os portugueses têm por inimigo Baco, deus do Oriente, que
por temer perder sua glória arma ciladas contra os navegadores, mas
estes são salvos graças à intervenção de Vênus e à coragem de Vasco da
Gama.
O
plano mitológico e o plano histórico, o mundo dos deuses e o mundo dos
homens, foram mantidos por Camões separados ao longo do poema, até que
essas duas esferas, divina e humana, encontram-se no episódio da “Ilha
dos Amores” (cantos IX e X). Vitoriosos em sua missão, os nautas
portugueses são recompensados pelas ninfas da ilha dos amores.
- Epílogo: Conclusão
do poema, contém um fecho dramático e pessimista sobre o futuro da
Nação portuguesa. O poeta lamenta a decadência de seu país e do povo
português que, cego pela cobiça e pelas suas glórias, esqueceu-se dos
valores nacionalistas. O eu-lírico desabafa melancolicamente que, apesar
dos grandes feitos narrados, entristece-se que tenha cantado “a gente
surda e endurecida”. Esse tom crítico e desencantado parece ser uma
premonição da derrocada sofrida, pouco depois, por Portugal, que,
derrotada na batalha de Alcácer-Quibir, foi submetida ao domínio
espanhol. Nesse sentido, o epílogo de Os lusíadas contrapõe-se
com o tom ufanista com que se desenvolveu toda a trama, mais uma
característica que difere a obra da epopeia clássica. Também podemos
dizer que no epílogo do poema de Camões há uma atitude subjetiva do
poeta que desabafa sobre os seus próprios conflitos íntimos e da vida de
privações que teve nos seus últimos dias de vida.
Não mais, Musa, não mais que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza.
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza.
(Estrofe 145, canto 10)
Pesquisado no site: www.qieducacao.com/2010/08/camoes-epico-os-lusiadas-i.html